Os perseguidos
Andei por essas ruas da grande cidade, ruas despidas de solidariedade, ruas de sombrias sombras onde se acoitava o medo e a insegurança, onde velozes passavam carros sinistros de demoníaca policia politica e em cada esquina, ou mesa de café se ocultava um bufo.
Aprendi a ler e a conhecer o mundo que me ocultavam, nos olhos brilhantes de alguns turistas, na coragem de alguns escritos maravilhosamente manipulados para que a verdade passasse escondida e, em pequenos livros de uma grandeza imortal.
Redol, Dostoyevsky, Sérgio, Tolstoi, Urbano, Hemingway, Agostinho, Sartre.
Aprendi a escutar os acordes e os poetas, (no silêncio da noite num velho rádio e uma galena) que lançavam sementes de esperança, que iluminavam o desespero e traçavam os caminhos da revolta. Adriano, Zeca, Freire, Neruda, Alegre, Ibanez, Gomes Ferreira.
E fremia com os jovens universitários, com os trabalhadores da Carris, com os Metalúrgicos e Bancários e com as pedras da calçada Portuguesa, armas modestas nas mãos da revolta, visando as cabeças da GNR e policia de choque, no Rossio, nos Restauradores, no Terreiro do Paço.
Havia também as noites clandestinas, na Quadrante, na Alamanada, na Praia sob o olhar cúmplice da Lua e o sorriso trocista do Oceano, nas travessias do Tejo rumo ao Barreiro, onde altas horas na negrura da noite uma sombra estendia lesta um panfleto e desaparecia no breu.
Havia ficado para trás o tempo dos calções, crescia o corpo e a mentalidade, a revolta e o desespero.
Os comícios da CDE, um pouco por todo o Pais, congregavam sinais de esperança nas gentes simples que ali acorriam, prontamente subjugadas pelos esbirros do regime que descaradamente cortavam a palavra ao orador, ao mínimo sinal de progressismo na fala. Apagava-se a tal “primavera” Marcelista.
E um dia de festa haveria de chegar, para comemorar sem medo.
O botas havia “batido a bota”.
A partir daqui tudo seria mais fácil, os fascistas já não tinham a sua referência e haveriam de se digladiar na luta pelo poder.
E assim acabaria por suceder quatro anos depois.
Aos perseguidos, aos que tombaram por um ideal de liberdade, aos que resistiram sem desfalecimentos, aos que ousaram marchar sobre Lisboa a 25 de Abril de 1974, o nosso reconhecimento será sempre eterno.
3 opinou:
Infelizmente caro Zé as memórias mais recentes que não experimentaram os efeitos maléficos da existência duma polícia política, não sabem avaliar a liberdade na sua verdadeira dimensão.
Como será que os seus próprios filhos virão também a interpretá-la. Um abraço do Raul
um abraço comovido. pela memória desse percurso. e pela "ousada" esperança de continuar Abril...
bem compreendo...
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