sábado, dezembro 02, 2006

A criança o pescador cego e o mar

Dentro do vazio do teu olhar, agora envolto no breu da noite.
Olhos fixos no nada, olhos que já abrangeram horizontes inacessíveis.
Mãos rijas, salgadas ainda.
Mãos sem tremores que calcam o tabaco no velho cachimbo, com a mesma determinação com que sujeitam as minhas, quando te guiam.
A chama amarela do fósforo que parece ensinada, no seu destino de atear o tabaco.
E o fumo que se eleva, soprado pela tua boca já sem dentes.
Á tardinha, gostavas que te leva-se à praia antes do sol se pôr e ali sentado olhavas o teu vazio.
O mar sussurrava umas vezes, berrava outras, mas ficavas quase indiferente, não fosse uma gota de água mais libertina que vi assomar nos teus olhos sem vida.
A contra gosto um dia, levei-te pela mão como a um menino e junto dele deixei que te envolvesse os pés.
Pareceste assustado.
Parvoíce a minha, a firmeza com que apertaste a minha mão não revelava temor, sinto-o hoje, era apenas respeito e uma imensa saudade.
Hoje sozinho, quando à tardinha descalço chuto as pequenas ondas na praia, vejo o teu cabelo branco sobre elas e o fumo do teu cachimbo no horizonte.

5 opinou:

At 3.12.06, Anonymous Anónimo said...

O que está, a acontecer neste, Blog, Zé.
Pode ser muito bem o meu avô, Velho Pescador, longas barbas, não era cego, estou a vê-lo, o cachimbo, artesenal, está em meu poder algures, como me esqueci dele, e levava-me a ver o Mar, 7/8
anos, á meio século, no enfiamento da rua onde morava, e frente ao Lago das Viuvas, o nome diz tudo.
Falava-me de um Porto de Abrigo, um porto de pesca, que um tal Eng. Duarte Pacheco, não o queria, na "Na minha terra", como ele dizia, porque esta terra, era revolucionária.
Veio depois do Grande Dia, mas, ironia das marés, os senhores do mundo, mandaram abater os barcos,
a troco de 30 dinheiros.
Falta alguém, nesta tão pedagógica história, nesta oportuna mensagem,
o meu primeiro amigo, o meu confidente, o Norte, um cão de água, que não sei porque razão, só ladrava aos Cabos de Mar, com excepção de um, o Ti'Oscar, que visitava as Escolas onde nos ensinava, a amar o Mar.
Volto ao meu Avô.Se ele fosse vivo, enquanto tivesse um Remo na Mão, não seria abatido nenhum Barco em Portugal.
poetaeusou(roubadordeespaços)

 
At 3.12.06, Blogger Maria said...

Que estória tão bonita, até comove...

 
At 3.12.06, Blogger mfc said...

Bonita esta evocação do bem ue fizeste a alguém... que a seu modo te agradeceu reconhecidamente!

 
At 3.12.06, Blogger contradicoes said...

A solidariedade humana é das atitudes mais nobres que se deve assumir. E aqui está a prova.

 
At 3.12.06, Blogger contradicoes said...

A solidariedade humana é das atitudes mais nobres que se deve assumir. E aqui está a prova.

 

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