sexta-feira, setembro 08, 2006

Saudade, mais do que nostalgia…


Olhavas sereno, na tua escuridão do fim de tarde.
Dizias-me indeciso, mais numa afirmação que interrogação.
São quê?
4 Horas?

Eu, criança, confirmava. São quatro e tal…
E olhando-te nos olhos mortos, interrogava-me como é que ele sabe?

Depois voltavas à tua observação enublada, nas mãos trémulas tentavas enrolar um cigarro, feito de mortalhas Conquistador e tabaco Duque que conseguias sem ver retirar da onça.

Eu olhava para ti, triste, porque nunca mais te vi sorrir…

Embevecido, escutava-te contando histórias das fainas que nunca mais haverias de partilhar, enquanto te aconchegavas mais há "ravessa" da duna, aqui e ali levemente açoitada pela brisa de Novembro.

O mar está calmo, dizias. Não o oiço ralhar…
Num gesto quase mecanizado aconchegavas o teu “barrete” negro tentando proteger-te do frio, que eu não sentia.
E eu, criança, sem perceber a razão da tua cegueira, da tua pobreza, olhando-te lá no alto da tua estatura agora ligeiramente curvada, revoltava-me.
Com a tristeza de alguns dos teus filhos, que achavam que devias ir pedir esmola.

E eu, criança revoltada, nunca deixei, nunca perdoei…

Nem hoje Avô!
Não perdoei ainda…

6 opinou:

At 9.9.06, Blogger AJB - martelo said...

Este episódio de vida magoa... e mostra bem a sensibilidade dos que sentem e se importam... no fundo é mais fácil ser bom do que mau.
gostei.

 
At 9.9.06, Anonymous Anónimo said...

Episódio de velho marinheiro:
Quantos nazarenos ou de outras fainas sentiram esta mágoa.
João Norte

 
At 9.9.06, Blogger contradicoes said...

Sentida homenagem a quem a mereceu.

 
At 10.9.06, Blogger Manuel Veiga said...

ssnsível e terna homenagem! abraços

 
At 12.9.06, Blogger © Piedade Araújo Sol (Pity) said...

sensibilidade, realismo, ternura, e raiva...gostei!

 
At 15.11.06, Anonymous Anónimo said...

Olá Tio, de vez em quando dou uma volta pelo teu blog, e encontrei este pedaço da história que é nossa, de alguém que só conheço de fotografias guardadas em albuns. Fica mais este relato para enriquecer as minhas memórias, adorei! Beijinhos, Sandra

 

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